Inovação social vs. Inovação cidadã

20 de Fevereiro de 2017

Por Juan Freire*

A inovação social, como conceito, popularizou-se a reboque do crescimento no mundo empresarial da importância da inovação. Em sua fase inicial a inovação empresarial concebeu-se sempre como inovação tecnológica e como parte de um processo lineal e ordenado, conhecido como I+D+i, onde, depois de um processo de pesquisa básica dá-se o desenvolvimento de uma solução técnica que finalmente se converte em uma inovação quando causa impacto à sociedade ao ser comercializada. A inovação social vinha reclamar a existência de processos de inovação que não tinham um objetivo comercial, ao menos principal, e que buscavam, principalmente, o impacto social (ou seja, a resolução de problemas que afetam pessoas e coletivos).

Esta visão da inovação social teve a virtude de reconhecer formas de inovação que até esse momento eram invisíveis, dado que não geravam rentabilidade econômica direta. No entanto, seguiu mantendo um marco de atuação lineal no qual são os especialistas os que buscam soluções para os afetados. Este enfoque recebeu recentemente a denominação de solucionismo tecnológico referido em concreto às práticas próprias dos entornos de elite tecnológica e empresarial, e em particular, ao seu máximo exponente Silicon Valley, que desenvolvem soluções gerais e genéricas que imaginam que possam resolver problemas sociais globais de uma forma simples e meramente tecnológica. Esta exacerbação da ingenuidade tecnológica entende o mundo povoado por problemas agudos e simples que admitem soluções técnicas, mas à sua vez, sua própria ação vai gerando novos problemas derivados. Mas este “solucionismo” não é novo nem patrimônio do mundo da tecnologia, o mundo da cooperação internacional esteve assentado sobre o modelo “do-good” em que as soluções “ocidentais” implementam-se nos países em desenvolvimento sem atenção à compreensão do local e à participação ativa das comunidades de afetados. Mas esta forma de atuação não só sucede na cooperação internacional, algo similar pode se observar em todas as escalas geopolíticas, inclusive quando analisamos a atitude de nossos “centros de inovação”, aqueles que se situam no mundo desenvolvido (como universidades, centros tecnológicos, etc), referente aos problemas da sociedade da que formam parte.

Em paralelo, as corporações desenvolveram seu próprio enfoque social, que denominaram Responsabilidade Social Corporativa, e que segue os mesmos critérios que a inovação social tradicional, além de desconetar por completo os objetivos de negócio com os sociais da organização, o quê foi caldo de cultivo de incoerências constantes e uma forma de preservar um status quo mais a trabalhar pela transformação social.

Perante este conceito de inovação social, situa-se com força crescente a inovação cidadã ou cívica. Não se trata de uma simples mudança de etiqueta senão de um enfoque diferente para a geração de inovação com impacto social.

Por uma parte, enquanto a inovação social se situa às margens da inovação principal (empresarial ou comercial), a inovação cidadã reconhece que inovar é uma parte de nossa idiossincrasia humana e portanto toda a cidadania pode e deve estar envolvida. E dentro deste marco de uma sociedade inovadora uma parte se realiza com um objetivo empresarial, mas a maior parte da inovação não se organiza por razões comerciais (nem por isso mesmo é registrada na maior parte de métricas convencionais).

Por outra parte a inovação cidadã opera de outro modo e conta com dois ingredientes básicos:

  • Frente ao solucionismo baseado em enfoques genéricos e em colocar a tecnologia e algoritmos no centro das cadeias de valor, a inovação cidadã desenvolve enfoques locais ou situados que diversificam a inovação ao adaptá-la às condições locais e colocam as pessoas no centro das cadeias de valor.
  • Frente ao enfoque baseado, quase em exclusiva, em especialistas disciplinares, a inovação cidadã trabalha com enfoques inclusivos em que os afetados trabalham de forma ativa com especialistas de diversas disciplinas (o que veio a se chamar o enfoque “indisciplinar”) na produção de soluções. Portanto, enquanto a inovação convencional utiliza métodos de diagnóstico baseados em especialistas para a compreensão dos problemas que aborda, a inovação cidadã desenvolve mecanismos de escuta baseados na submersão e participação ativa.

Em síntese a inovação cidadã entende a inovação como um processo coletivo que forma parte da própria natureza humana e que se assenta sobre a capacidade de escuta e sobre o indisciplinar e que atua sempre de modo situado. Esta inovação é a que pode abordar os problemas crônicos de uma forma orgânica. Portanto a inovação cidadã não é algo suscetível de ser planificado nem forçado, mas sim existem mecanismos que podem impulsioná-la por meio de sua visibilização, da toma de consciência das pessoas e da criação de infraestruturas a seu serviço.

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Este post é a continuação de A crise das políticas públicas tradicionais e os dois introduzem aos laboratórios cidadãos que abordarei em futuros textos. Este texto foi parte de minha colaboração ao projeto CO-LAB, Laboratório de Inovação Cidadã do Concello de La Coruña e, como o anterior, está baseado nas colaborações de Marcos García e Antonio Lafuente.

 

*Texto publicado originalmente em juanfreire.com